14.7.15

PENSAMENTOS MÓRBIDOS

Quando eu me encontrava mais encarnado do que me encontro agora, atendendo a diversos pacientes em meu consultório de médico psiquiatra – que muito pouco sabia, e ainda muito pouco sabe de Psiquiatria –, não raro, os que eram considerados mais normais, ou seja, os que não careciam de internação imediata, faziam-me certas confissões de estarrecer.
Falo em estarrecimento, mas, em verdade, eu nunca me alarmei muito com a condição da criatura humana, que, em termos evolutivos, não se coloca assim muito à frente dos animais, não.
- Doutor – confessavam-me muitos deles –, eu me imagino esganando a fulano com as minhas próprias mãos – sinto vontade de enforcá-lo, pois é o que ele merece... E, em mim, tal pensamento é recorrente – de vez em quando, eu me pego descarregando toda a minha ira sobre a garganta dele...
- Em meus devaneios – diziam-me outros –, sonho em descarregar a minha arma contra o peito daquele imbecil, que não perdoo – ele me humilhou, como se eu fosse qualquer... Constrangeu toda a minha família, e a minha honra tinha que ser lavada com sangue...
- Já pensei em contratar alguém para dar cabo daquela mulher, que me tomou o marido – falou-me uma senhora. – Quase todos os dias eu penso nisto... Tenho ódio dela – um ódio terrível!...
E ao longo de décadas, ouvindo confissões semelhantes, vocês podem imaginar o que, por vezes, registrava, tanto de homens quanto de mulheres:
- Doutor, eu sonho que estou estuprando... É uma coisa terrível! Sinto prazer nisto!...
- À noite, os meus sonhos são de pura devassidão... Tenho vergonha de contar ao senhor tudo o que faço, quando estou sonhando... Sexo desregrado com menores de idade – eu não poupo nem crianças!...
Muitos deles choravam e falavam em suicídio, e outros já estavam entregues ao alcoolismo.
A situação era difícil.
Certa vez, um pedófilo, ao me procurar, disse que estava com a arma engatilhada em casa, aonde chegaria e atiraria contra a própria cabeça – eu seria a sua última esperança.
Conversei, conversei, conversei... Receitei medicamentos... Falei em Deus, em imortalidade, na consequência do suicídio para o espírito... Sugeri internação por uns dias... Ele agradeceu, foi embora e, depois de oito meses, acabou por se matar. Fiquei sabendo através do jornal da cidade... Ele não voltara a se consultar comigo.
E os que, mentalmente, planejavam golpes financeiros nos familiares, em questões de herança?!
E os que, aparentando ser sociáveis, mal conseguiam conterem-se em seus ímpetos de agressividade reprimida?!
E os egoístas ao extremo – o egoísmo é uma das piores doenças que conheço! –, que se escondiam para que não fossem molestados pelos mendigos nas ruas?! – Doutor, eu chego a mudar de calçada – tenho asco de pedinte! Uma moeda para mim é muita coisa – eu não acho certo ajudar a ninguém! Essas Instituições assistenciais alimentam a malandragem...
Não creiam, meus amigos, que a coisa tenha mudado muito, não! Tristemente, a morbidez de nossos pensamentos fala de nossa grande miséria espiritual – do nosso primitivismo moral!
Só mesmo apelando para a Misericórdia do Senhor, pedindo forças para que, pelo menos, a tentação nunca nos saia da esfera dos pensamentos, pois, caso contrário... Meu Deus, que loucura!
E tem gente que ainda se acha completamente sano! Tais pensamentos enfermiços, contudo, são capazes de nos assaltarem até mesmo em meio a uma oração...
Um comerciante, meu amigo e paciente, me dizia:
- Doutor, para eu terminar um Pai Nosso sem pensar em coisas ruins é o maior sacrifício... Começo a rezar e o meu pensamento foge por tantos caminhos... Eu fico com vergonha da prece! Como continuar orando assim?!...
- Meu caro – eu respondia –, o lírio nasce no charco... Não desista! Os sãos não precisam de médico! Todos nós somos doentes da cabeça, uns mais, outros menos... Se você não orar, a coisa piora!...

INÁCIO FERREIRA

Uberaba – MG, 13 de julho de 2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário