22.11.15

Progresso Maior

A Nação brasileira é feita de restos do passado. Ela foi construída, como todas as demais nações, como produto da força de seu povo ao longo do tempo. Neste contexto, convém afirmar, o Brasil possui na sua matriz racial três grandes troncos: a branca, a negra e a índia. Das três, aquela que mais sofreu para se manter livre no exercício de seus direitos foi, sem dúvida alguma, a raça negra.
Quando os portugueses perceberam no início da colonização que não poderiam contar com o apoio do braço indígena para a produção correu logo para se juntar a outras tantas nações que procuravam na escravização negra a fonte para a obtenção do trabalho e de geração de suas riquezas.
Este comportamento atroz, destituído de qualquer humanidade, durou cerca de três séculos no nosso País. Os negros eram deportados da África em direção ao Brasil com a promessa de ganhos financeiros, quando não eram usurpados já na sua origem. Aqui chegando, percebiam a cilada que haviam catapultado ou que seu destino já estava traçado, ou seja, trabalhar exaustivamente até a última gota de seu suor e de seu sangue.
Foram deportados para cá milhares de negros. Negros que sustentaram todo o nosso progresso econômico de então. Fomos os algozes de toda uma raça e achávamos, pasmem senhores, que tudo aquilo era muito certo. Os negros existiam, pensavam muitos, para servir aos brancos, e evocando até a suprema divindade colocavam-no como uma raça menor, pois nem alma detiam.
Foi assim que forjamos o progresso desse País durante muito tempo, sob o jugo do chicote feroz e da arbitrariedade sem medida.
Colocamos o negro diante de uma situação de ridicularização completa, de subtração total de sua dignidade, de menosprezo a sua condição humana.
Dos barões do café aos senhores de engenho, todos usurparam a liberdade de uma raça inteira como supremacia de outra.
Aliás, até hoje, muitos ainda pensam desta maneira. Só que avançaram no campo da discriminação e suas arrogâncias são tais que junto ao negro somaram todos aqueles despossuídos do capital, isto é, os pobres de toda sorte.
Muita luta, aqui e no astral, foram travadas para que a Terra do Cruzeiro não manchasse seu destino com letras de terror e crueldade que não pudesse mais se soerguer e comandar uma reação de direitos civis e sociais como exemplo para o mundo.
Os negros que não entendiam a loucura reinante, que viam a separação autoritária de suas famílias, que viam seus amores sendo usados pelos senhores na alimentação de sua ganância sexual, ou em outros distúrbios de comportamento, faziam de um tudo para acabar com a vida material destes e inflamavam o ódio em todas as suas formas de manifestação.
Muitos espíritos chegaram para reencarnar como negros para acalmar, um pouco que seja, esta febre de ressentimento e dor que parecia não ter mais fim. Eram os sábios de sua tribo ou de seu clã e ganhavam o respeito geral pela sua altivez e sabedoria, sem se declinarem se mostravam gigantes. Foram muitos deles denominados na época e até hoje como Pais-Velhos. Representavam, em muitos casos, o símbolo da própria raça.
Não podemos nos esquecer do exemplo materno. As matronas que davam o seu próprio seio para soerguer o branco raquítico.
O que ocorreu, ao longo do tempo, é que a mistura racial foi inevitável. O que estava em jogo, meus senhores, não era a preservação de uma raça, mas o aparecimento de uma nova era, a era da fraternidade. Este era o desafio maior a ser vencido.
Com o advento da libertação definitiva dos escravos em 1888 em ato assinado pela Princesa Isabel, o destino do País estava assegurado, mas haveria que reconstruir todo o legado destes três séculos de dominação e manipulação de uma classe a outra.
Este desafio de construir uma Nação fraterna vivemo-la  até hoje, pois as sequelas daquele tempo ainda encontram-se presentes.
O que ocorreu, meus senhores, é que nos desviamos deliberadamente do que nos foi traçado inicialmente e perdemos bom tempo na reorganização de nossa agenda espiritual para que pudéssemos continuar no progresso das metas que esperavam os espíritos altaneiros para o nosso Brasil.
No campo espiritual, tivemos atrasos. Mesmo no momento que deveria desabrochar toda a carga de espiritualidade entre as culturas espirituais negras e brancas, em todas as suas matizes, tivemos, meus senhores, foi o desgraçamento de uma oportunidade ímpar de progresso espiritual. Foi assim que surgiu, não da noite para o dia, mas que poderia ter sido bem diferente, as crenças umbandistas no nosso País.
Elas viriam ocupar um espaço que estava perdido, sem lugar para se manifestar. Foi então que um grupo de espíritos de alto quilate espiritual se colocou, sob a égide do Cristo Jesus, a por pedra sobre pedra no edifício da nova realidade espiritual entre os homens.
A Umbanda segue os mesmos passos do Espiritismo, mas com o atenuante de não criar barreiras, qualquer que seja a forma, de progresso espiritual na direção do bem.
Neste contexto, senhores, venho aqui dizer aqui da minha alegria em ver que diversos ambientes espíritas, finalmente, começam a descerrar as cortinas do preconceito e colocar em seu lugar as relações abertas e fraternas com todas as culturas espirituais convergentes aos ditames do Evangelho do Cristo.
Neste momento de comemoração daquilo que se convencionou denominar de “Dia da Consciência Negra”, aporto o meu desejo sincero que tenhamos um avanço cada vez maior e significativo para que possamos ver mais rapidamente os objetivos de união de toda uma gente.
A cultura espiritual negra não é diferente de nenhuma outra, apenas guarda em si elementos de sua etnia que se somam aos que desejam efetivamente o progresso espiritual mais amplo.
Estou aqui como homem que defendeu, como pode, os membros de uma raça que, naquela época, se mostrava como uma distorção do direito social, mas que representava, na realidade, a distorção da conduta humana na terra.
Neste tempo todo, conheci os meandros da espiritualidade em que eles, meus irmãos em pele negra, participam como comunidade cósmica. Há todo um emaranhado de causas e ações que ainda teremos a oportunidade, se Deus quiser, de revelar a tantos quantos desejem saber.
O progresso segue, mas as lutas continuam.
O progresso nos diz que devemos manter a guarda contra as injustiças sociais.
O progresso nos ensina que se não nos mantivermos em alerta crescerá bem mais o quadro de pobreza e miséria social, sem lados quaisquer de raça. No fundo, somos todos humanos, integrantes de uma só raça, de um só povo de Deus.
Ao querido Zumbi, hoje reencarnado, o nosso agradecimento pela força e luta.
Aos inconformados com a condição humana servil, o nosso apoio para que não baixem a cabeça jamais.
Aos “tementes” em Deus que possamos continuar a lutar pela igualdade de todos na criação de um mundo melhor que seja, sobretudo, mais humano.

Joaquim Nabuco – Blog Reflexões de um imortal

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