Por vezes, imagino que os homens – mormente
os espíritas, claro! – supõem na Vida além da morte um verdadeiro campo de
nudismo.
Sim, porquanto, eu mesmo, quando encarnado,
jamais ouvi de quem fosse a menor referência à vestimenta dos mortos – talvez
até, quem sabe, fosse preconceito contra os estilistas e os costureiros, de
ambos os sexos.
Assim que me iniciei na Doutrina, ficava
pensando em que situação os espíritos haveriam de deixar o corpo carnal – com
que roupa haveriam de se cobrir, de vez que até mesmo Adão e Eva, quando
expulsos do Jardim do Éden, “percebendo que estavam nus, coseram folhas de
figueira, e fizeram cintas para si.”
Os pobres defuntos, certamente, haveriam de
se ver na mesma dúvida que assaltou o sambista Noel Rosa, que, em canção de grande
sucesso, nos idos de 1929, ficava se perguntando, com insistência, “com que
roupa eu vou”...
Recordo-me que, então, na minha insipiência,
que, aliás, perdura até hoje, cheguei a indagar de um companheiro cujo nome, em
respeito à sua venerável memória, prefiro não citar, sobre a situação
vestimental dos espíritos no Mundo Espiritual. Ele, modulando o tom de voz,
respondeu-me quase ao pé do ouvido: - Os espíritos usam uma espécie de roupão
de americano cru que lhes desce até aos calcanhares, e os que não andam
descalços, calçam sandálias... Que coisa mais sem gosto – pensei eu sem nada
retrucar, pois, afinal, eu não passava de um neófito, que estimava envergar um
terno de linho cento e vinte e de calçar um par de sapatos italianos, pois,
neste sentido, a indústria brasileira ainda estava nos seus primórdios.
Todavia, assim que comecei a participar das
sessões mediúnicas do Sanatório, através, principalmente, de Modesta, ouvia os
desencarnados afirmarem que as suas roupas estavam estraçalhadas...
- Eureka! – exclamei. O rei, qual no conto
de Hans Cristhian Andersen, pode estar nu, mas os mortos, não estão! Ainda,
pois, há alguma esperança para mim, que, do Outro Lado, sentir-me-ei
envergonhado de que alguém me veja despido, exibindo as partes mais íntimas aos
olhos pouco misericordiosos de qualquer...
Logo em seguida, não me recordo quem me
colocou nas mãos o livro recém-lançado de André Luiz, “Nosso Lar”, editado em
1944, quando, então, eu contava com 40 anos de idade. Folheando, numa primeira
leitura, despretensiosamente, as suas páginas, chamou-me a atenção as seguintes
palavras do ilustre defunto: “Crescera-me a barba, a roupa começava a romper-se
com os esforços da resistência, na região desconhecida.” Sentindo-me salvo, com
avidez, procurei em todos os demais capítulos da referida obra, algum outro
subsídio que me livrasse do nudismo total ou, talvez, até o que fosse pior,
daquele estranho roupão de americano cru... E, em seu capítulo 22 – “O
Bônus-Hora” –, mais uma vez, eu me senti salvo, ante as explicações da senhora
Laura, que dizia a André que, na cidade, além de produção de alimentos, havia
produção de vestuário.
Ainda hoje eu não sei como é que anda a
situação aí embaixo, na Crosta, em torno da controvertida questão do nudismo
dos mortos, que muitos acreditam continuar deixando o corpo sem sequer uma
folha de figueira para lhes cobrir o que a morte não faz com que nós, os
desencarnados, percamos.
Com a palavra os mais eruditos em Doutrina
que, certamente, tomando a sua própria transcendência por medida de todos os
defuntos, haverão de dizer que os espíritos são lisinhos, e que, justamente,
por tal motivo, não carecem eles de qualquer pedaço de pano para lhes ocultar
as protuberâncias carnais, de tão falecidas que essas mesmas protuberâncias já
se encontram.
INÁCIO FERREIRA
Uberaba – MG, 6 de junho de 2016.
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